Testagem molecular no câncer de pulmão

A caracterização molecular transformou radicalmente o paradigma terapêutico do câncer de pulmão não pequenas células, estabelecendo a medicina de precisão como pilar fundamental no manejo desta neoplasia de elevada morbimortalidade global. Este artigo examina as estratégias diagnósticas moleculares contemporâneas, explorando biomarcadores preditivos e prognósticos, metodologias analíticas disponíveis e o impacto decisivo da testagem direcionada na otimização dos desfechos clínicos e sobrevida dos pacientes.

Testagem molecular no câncer de pulmão

O câncer de pulmão é a principal causa de morte relacionada ao câncer no mundo, correspondendo a cerca de 18% do total de mortes por câncer. Dentre os subtipos de câncer de pulmão, o mais comum é o Adenocarcinoma de pulmão do tipo não pequenas células (CPNPC), representando aproximadamente 85% de todos os casos diagnosticados (1,2).

Dados da literatura médica têm demonstrado que a maioria dos CPNPC estão relacionados a alterações moleculares em genes específicos, que conferem às células tumorais vantagem proliferativa, imortalização e capacidade de invasão de outros tecidos (1).

A descoberta de mutações acionáveis no gene EGFR trouxe a medicina personalizada para os casos de CPNPC avançado, transformando seu manejo clínico. Essa realidade se expandiu para outros estágios da doença e também para outros genes, consolidando a medicina de precisão para milhares de pacientes no mundo todo (1). 

Desde então, inúmeros biomarcadores têm sido descritos como marcadores preditivos e prognósticos para CPNPC. Um biomarcador preditivo é caracterizado por predizer a eficácia de uma terapia, visto que há uma interação entre o biomarcador e a droga utilizada. Por exemplo, a mutação L858R, que ocorre no exon 21 do gene EGFR, prediz sensibilidade ao tratamento com inibidores de tirosina quinase do EGFR (EGFR- TKIs). Por outro lado, a mutação T790M, no mesmo gene, prediz resistência a esse tipo de tratamento (3). 

Já um biomarcador prognóstico está relacionado a probabilidade de um resultado clínico favorável ou desfavorável; ele indica sobrevida global, sobrevida livre de progressão ou taxa de sobrevida livre de doença. O biomarcador prognóstico independe do tratamento recebido, visto que é um indicador do comportamento inato do tumor. Por exemplo, mutações no gene TP53 em CPNPC normalmente indicam comportamento tumoral mais agressivo e pior prognóstico (3).

É recomendado que todo paciente com CPNPC metastático seja testado para certos biomarcadores, com o intuito de selecionar aqueles que são elegíveis para terapia personalizada, visto que dados consolidados da literatura mostram aumento de sobrevida global para aqueles que receberam terapia alvo ou imunoterapia, em comparação com aqueles que receberam quimioterapia tradicional (1,2).

*Em torno de 60% dos casos de adenocarcinoma de pulmão possuem um biomarcador acionável.

Neste contexto, a identificação dos perfis de mutação no câncer de pulmão tornou-se mandatória para a definição terapêutica adequada. Desde 2018, a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO) recomenda a testagem molecular direcionada aos principais genes envolvidos no câncer de pulmão, incluindo EGFR, ALK, ROS1 e BRAF e KRAS. (1)

Testes laboratoriais estão validados para a detecção desses biomarcadores. A escolha do teste mais adequado deve levar em consideração o intuito da pesquisa, ou seja, o que se deseja pesquisar sobre o tumor. Além disso, é importante entender sobre a técnica utilizada no teste, o estagio do clínico do paciente, e os recursos financeiros disponíveis no momento da testagem.

Através do uso da imunohistoquímica é possível pesquisar biomarcadores preditivos, como as fusões em ALK, ROS1 e também a expressão de PDL-1. Trata-se de um método mais difundido, presente na maioria dos laboratórios a custo acessível (2).

Outro teste bastante utilizado na jornada do paciente com CPNPC é o teste de PCR em tempo real. A técnica de PCR (ou Reação em Cadeia da Polimerase) é uma tecnologia que consiste na amplificação de uma região específica de DNA, e deve ser solicitado com o intuito de se fazer uma pesquisa altamente dirigida. O teste de RT-PCR tem um custo menor quando comparado aos testes de sequenciamento, e necessita de menor tempo para ser realizado (2).

Apesar de sua alta sensibilidade, o RT-PCR apresenta uma limitação importante. Quando esse teste é solicitado, apenas alterações específicas do gene alvo são acessadas, e a possibilidade da existência de outras mutações, não contempladas no teste, deve sempre ser aventada (2,3).

*Vale ressaltar que um resultado negativo em um teste de RT-PCR não exclui a presença de outras mutações, que não estejam contempladas no teste.

Já os painéis gênicos, que utilizam a técnica de sequenciamento de nova geração (NGS), permitem uma pesquisa mais ampla das alterações moleculares presentes no tumor e são uma excelente opção nos casos em que a amostra tecidual é exígua, tornando inviável a pesquisa seriada (2,3,4).

Como nessa tecnologia grandes regiões codificantes são sequenciadas, é possível detectar através dela um conjunto bem mais amplo de eventos moleculares, quando comparado com aquele que detectamos através do RT-PCR. Com os painéis de NGS é possível identificar mutações pontuais (SNVs), pequenas inserções e deleções (INDELs) e também alterações no número de cópias (CNVs) (4).

Por se tratar de uma tecnologia que demanda estrutura laboratorial complexa, mão de obra especializada, equipe de bioinformática e equipe médica dedicada à análise de dados, esse teste acaba tendo um custo mais elevado e um maior tempo de execução.

De acordo com as diretrizes de 2018 do Colégio Americano de Patologistas (CAP), Associação Internacional para estudo do Cancer de Pulmão (IALSC) e a Associação de Patologia Molecular (AMP), um primeiro grupo de biomarcadores devem ser testados em todos os pacientes com CPNPC avançado: EGFR, ALK e ROS1. Outros genes devem também ser testados, caso a investigação prossiga, em um painel mais amplo que contenha os genes: BRAF, MET, RET, ERBB2 (HER2), e KRAS (4).

*Através da técnica de NGS é possível sequenciar DNA e RNA, o que traz maior número de informações relevantes para a conduta terapêutica dos casos de CPNPC.

Para as três metodologias citadas (imunohistoquímica, RT-PCR e NGS), são utilizadas amostras tumorais fixadas em formol e emblocadas em parafina, por isso é de extrema importância que esse processo de conservação do material seja feito de forma adequada, com o intuito de garantir a maior integridade e qualidade do tecido. De forma resumida, todo material deve ser submerso em formol tamponado a 10% o mais breve possível após sua exérese, evitando assim a isquemia fria e a perda de

antigenicidade das células. O formol não tamponado tem PH ácido e degrada proteínas, DNA e RNA, prejudicando a avaliação destas moléculas no tecido (2).

Um novo teste, que tem se mostrado como uma ferramenta valiosa na condução clínica dos casos de CPNPC, é o teste de biópsia líquida. Em muitos países ele já tem sido usado na complementação da biópsia tecidual desde os estágios precoces da doença. O teste pode ser usado também no monitoramento dinâmico do surgimento de resistência ao tratamento, e para a detecção precoce de recorrência tumoral e metástases (7).

Através de tecnologias capazes de separar células tumorais, ou fragmentos de DNA tumoral, circulantes no sangue periférico, a biópsia líquida pode ser crucial nos casos em que o paciente não tem condições de realizar uma nova biópsia tecidual.

Um dos grandes diferenciais do teste de biópsia líquida é a possibilidade de representar todo o cenário tumoral, ou seja, as diferentes populações do tumor primário, além de células provenientes de metástase. O CPNPC apresenta grande heterogeneidade tumoral, e uma biópsia tecidual pode não refletir completamente esse cenário (7).

*Importante salientar que a biópsia líquida não substitui o diagnóstico histopatológico e que as taxas de falso negativo podem chegar a 30% (7).

Como mensagem final, é importante enfatizar que a testagem molecular é primordial na condução clínica dos casos de câncer de pulmão, e que os melhores desfechos ocorrem quando há um driver conhecido. Considerar as vantagens e desvantagens das diferentes metodologias disponíveis, e adequar a escolha do teste de acordo com a necessidade específica do paciente, permite que os melhores resultados clínicos sejam atingidos.

Referências bibliográficas

  1. Oncogenic driver mutations in non-small cell lung cancer: Past, present and future. World J Clin Oncol 2021 April 24; 12(4): 217-237. DOI: 10.5306/wjco.v12.i4.217
  2. NCCN Guidelines Version 3.2022. Non-Small Cell Lung Cancer. https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/nscl.pdf
  3. Šutić, Maja et al. “Diagnostic, Predictive, and Prognostic Biomarkers in Non-Small Cell Lung Cancer (NSCLC) Management.” Journal of personalized medicine vol. 11,11 1102. 27 Oct. 2021, doi:10.3390/jpm11111102
  4. Lindeman NI, Cagle PT, Aisner DL, Arcila ME, Beasley MB, Bernicker EH, Colasacco C, Dacic S, Hirsch FR, Kerr K, Kwiatkowski DJ, Ladanyi M, Nowak JA, Sholl L, Temple-Smolkin R, Solomon B, Souter LH, Thunnissen E, Tsao MS, Ventura CB, Wynes MW, Yatabe Y. Updated Molecular Testing Guideline for the Selection of Lung Cancer Patients for Treatment With Targeted Tyrosine Kinase Inhibitors: Guideline From the College of American Pathologists, the International Association for the Study of Lung Cancer, and the Association for Molecular Pathology. Arch Pathol Lab Med. 2018 Mar;142(3):321-346. doi: 10.5858/arpa.2017-0388-CP. Epub 2018 Jan 22. PMID: 29355391.
  5. Molecular profiling in lung câncer. https://doi.org/10.1007/s12254-022-00824-7
  6. IASLC ATLAS OF EGFR TESTING IN LUNG CANCER
  7. Current Status of CTCs as Liquid Biopsy in Lung Cancer and Future Directions. September 2015 Frontiers in Oncology 5(1). DOI:10.3389/fonc.2015.00209

Até breve,

Dra. Ana Carolina Paniza
Patologista Molecular
CRM-SP 151630

 

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