A análise de variantes somáticas e a interface com a oncologia

A interpretação criteriosa de variantes somáticas constitui o epicentro da medicina oncológica personalizada, exigindo expertise especializada na correlação entre achados moleculares e relevância terapêutica clínica. Este artigo explora os fundamentos metodológicos da classificação de variantes tumorais, abordando critérios de significância clínica, sistemas de estratificação por evidência científica e a interface decisiva entre patologia molecular e oncologia na implementação de terapias direcionadas eficazes.

A análise de variantes somáticas e a interface com a oncologia

A correta identificação e classificação das variantes somáticas é o desfecho do processo que se iniciou com a chegada da amostra ao laboratório. É para que essa classificação seja a mais exata possível, que todas as etapas do NGS precisam ser executadas com precisão e qualidade.

A análise das variantes somáticas tem algumas diferenças em relação à analise das variantes germinativas, que fazem com que o papel do patologista molecular seja crucial nessa etapa.

Por que existem estas diferenças?

O ponto mais importante que difere essas análises está no fato de que as variantes somáticas estão presentes apenas nas células tumorais. Todas as demais células daquele ambiente, como os linfócitos, as células estromais e vasculares, e as outras células não neoplásicas daquele órgão, não possuem a variante em seu DNA. Em decorrência disso, precisamos de testes com alta sensibilidade e análise crítica que correlacione os achados moleculares com as evidencias clínicas de elegibilidade para o tratamento.

Outro ponto que difere as análises somáticas das germinativas é a forma de classificar as variantes. A classificação que devemos utilizar, consagrada na literatura, foi proposta pelo Colégio Americano de patologistas, pela Associação de Patologia Molecular e pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica; ela classifica as variantes somáticas com base em seu nível de significância clínica. Uma variante será considerada um biomarcador relevante se prediz sensibilidade, resistência ou toxicidade para uma terapia específica; se altera a função de um gene que pode ser alvo de drogas aprovadas ou em fase de estudo; se serve como um critério de inclusão em ensaios clínicos; se influencia o prognóstico da doença; se auxilia no estabelecimento de um diagnóstico de câncer ou se garante a implementação de medidas de vigilância para detecção precoce do câncer.

Portanto, para uma variante ter impacto clínico ela deve ter relevância terapêutica, prognóstica, diagnóstica e de ações preventivas.

Baseado em seu impacto clínico, classificamos as variantes somáticas em 4 categorias:

TIER I: variantes com forte significância clínica (nível de evidência A e B).

TIER II: variantes com potencial significado clínico (nível C ou D de evidência).

TIER III: variantes com significado clínico desconhecido.

TIER IV: variantes que são benignas ou provavelmente benignas.

Outra diferença importante são os bancos de dados genômicos que devemos consultar no momento da análise das variantes somáticas. É de suma importância utilizar bancos específicos de câncer, para evitar reportar no laudo aquelas variantes que não ajudarão em nada na definição do tratamento pelo oncologista. Devemos reportar as variantes que são acionáveis, ou seja, que já possuem uma terapia alvo aprovada, com estudos clínicos que tenham comprovado sua eficácia. Variantes TIER IV não devem ser reportadas no laudo.

Os principais bancos indicados para essa análise são:

  • http://www.cbioportal.org/
  • http://www.mycancergenome.org/
  • https://pct.mdanderson.org/
  • https://varsome.com/
  • https://franklin.genoox.com/clinical-db/home

Estamos vivendo um grande momento da medicina, em que drogas são desenvolvidas especificamente para uma determinada variante, em um determinado tipo tumoral. A procura por um alvo específico é um desafio constante dos pesquisadores ao redor do mundo. Essa é a base da medicina personalizada, quando um tratamento é utilizado porque sabemos que aquela droga é direcionada para moléculas específicas das células tumorais, com pouca ação sobre as células saudáveis do corpo e com menos efeitos colaterais.

Atualmente temos inúmeros estudos clínicos que comprovaram a eficácia de terapias alvo para determinadas alterações moleculares identificadas no tumor. As variantes acionáveis mais estudadas são as encontradas no EGFR, BRAF, HER2, assim como as fusões em ALK, ROS1, RET, NTRK, entre outras.

Um bom exemplo seria o estudo SOLAR 1, que comprovou a eficácia do tratamento com Alpelisib para pacientes com câncer de mama que apresentam certas variantes somáticas no gene PIK3CA.

Outro estudo bastante relevante, o PAOLA, demonstrou aumento de sobrevida livre de progressão de doença para pacientes com câncer de ovário após o uso de terapia alvo. Foi demonstrado que a detecção de achados moleculares que indicam falha no mecanismo de reparo de recombinação homologa do DNA são acionáveis. O achado de mutações em genes como BRCA1, BRCA2, ATM, BRIP1, CHEK2, RAD51, PALB2, somadas a outras alterações que indicam instabilidade genômica, tornam o paciente elegível para a terapia. Esses achados são alvo para drogas como Olaparibe e Bevacizumabe, cujo tratamento pode mudar completamente a evolução clínica do paciente, aumentando sua sobrevida.

São inúmeros os estudos clínicos com terapia alvo, poderia falar por horas aqui sobre eles, mas deixarei como tema de um artigo futuro. Por hora, o importante é entender das implicações dos achados moleculares na indicação do tratamento oncológico e no prognóstico dos pacientes. A patologia molecular e a oncologia estão de mãos dadas na luta contra o câncer.

Veja abaixo algumas referências importantes nesse assunto:

  1. Li MM, Datto M, Duncavage EJ, Kulkarni S, Lindeman NI, Roy S, Tsimberidou AM, Vnencak-Jones CL, Wolff DJ, Younes A, Nikiforova MN. Standards and Guidelines for the Interpretation and Reporting of Sequence Variants in Cancer: A Joint Consensus Recommendation of the Association for Molecular Pathology, American Society of Clinical Oncology, and College of American Pathologists. J Mol Diagn. 2017 Jan;19(1):4-23. doi: 10.1016/j.jmoldx.2016.10.002. PMID: 27993330; PMCID: PMC5707196.
  2. André F, Ciruelos E, Rubovszky G, Campone M, Loibl S, Rugo HS, Iwata H, Conte P, Mayer IA, Kaufman B, Yamashita T, Lu YS, Inoue K, Takahashi M, Pápai Z, Longin AS, Mills D, Wilke C, Hirawat S, Juric D; SOLAR-1 Study Group. Alpelisib for PIK3CA-Mutated, Hormone Receptor-Positive Advanced Breast Cancer. N Engl J Med. 2019 May 16;380(20):1929-1940. doi: 10.1056/NEJMoa1813904. PMID: 31091374.
  3. Tew WP, Lacchetti C, Ellis A, Maxian K, Banerjee S, Bookman M, Jones MB, Lee JM, Lheureux S, Liu JF, Moore KN, Muller C, Rodriguez P, Walsh C, Westin SN, Kohn EC. PARP Inhibitors in the Management of Ovarian Cancer: ASCO Guideline. J Clin Oncol. 2020 Oct 20;38(30):3468-3493. doi: 10.1200/JCO.20.01924. Epub 2020 Aug 13. PMID: 32790492.

Todo complemento sobre o assunto é bem-vindo! Deixe o seu abaixo, nos comentários. 

Restou alguma dúvida? Escreva abaixo que te responderei. 😊

Até breve, 

Dra. Ana Carolina Paniza
Patologista Molecular
CRM-SP 151630

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